«O
prémio»
Pequeno
conto publicado na rubrica «Gavetas do Tempo» do jornal «O Comércio do
Porto»
- Quem, eu?
- O Senhor aí, exactamente: acaba de ganhar
o primeiro prémio!
O homem estremeceu. Um prémio! Ele ganhara
um primeiro prémio!! Por fracções de segundo a sua imaginação inundou-se
de azul, um azul muito claro e brilhante; e, não sabia bem porquê, havia
barcos e ilhas e alcatifas no azul, que uma luz de oiro, solar, tingia
de verde aqui e ali, nos pontos mais recatados do sonho, onde um corpo
indefinido e branquíssimo de mulher contrastava e atraía.
Olhou em volta. Sobre si convergiam múltiplos
pares de olhos, alguns vazios e parados, outros a excederem-se das órbitas,
como que num furor para se libertarem; mas todos, definitivamente, a recordarem-lhe
que aqueles não eram os seus olhos, mas os olhos dos outros.
- O vencedor! Por favor, suba aqui ao estrado...
Os músculos não lhe obedeceram à primeira.
Mas com tanta força repetiu a ordem mental que foi preciso segurá-lo para
que não se estatelasse nos fundos indistintos do cenário, sob o riso alarve
da plateia.
- Contente?
Não soube dizer nada. Sem querer, lembrou-se
da mãe, lá na terra distante; do contorno conhecido da eira e da ramada;
do seu quarto escuro e pequeno de criança; de um papagaio amarelo que
usava soltar à ventania. Teria chorado, se na garganta que lhe prendia
as palavras houvesse espaço para o que quer que fosse.
- Pois o bilhete que o senhor comprou, e
que corresponde à cadeira em que se sentava, foi sorteado! Para si, uma
magnífica máquina fotográfica! Uma salva de palmas para este senhor!...
Agora o segundo prémio: o senhor aí...
O homem pouco mais ouviu. Com a máquina
fotográfica na mão, tornou rapidamente à cadeira sorteada do seu eterno
lugar na plateia. Onde, aliás, ninguém se deu ao trabalho de reparar que
o azul de há instantes já não lhe iluminava mais o olhar perdedor.