«TV
interactiva?»
in «Comunicação Gráfica», 1990
A televisão - que só pode ser entendida
como um meio de comunicação de massas que utiliza a emissão de um sinal
(analógico agora e digital no futuro) - é, por definição, o paradigma
da comunicação não-interactiva.
E todo o sector gráfico tradicional, do
livro ao jornal, tem-se vindo a aproveitar, melhor ou pior, justamente
desta grande vantagem relativa que tem sobre o audiovisual. Mas, é claro,
o multimédia consegue, quer sobre a televisão quer sobre o gráfico tradicional,
a absoluta primazia da interactividade. O que em boa medida fará dele
o principal meio de comunicação do futuro. Até porque o multimédia não
é mais do que um produto de base gráfica (na medida em que é sobretudo
concebido num plano bidimensional) que, aproveitando ao máximo a interactividade
que é própria desse mesmo gráfico, vai buscar ao audiovisual o que ele
tem de melhor.
E a televisão, por muito que lhe custe,
não pode nunca fazer esta síntese sem deixar de ser televisão e passar
a ser multimédia. Enquanto tal, a televisão é e será sempre não-interactiva,
mesmo quando procura sofismar o problema. Porque interactividade, em Comunicação,
não é prospecção do mercado ou subjugação aos índices de audiências, essa
outra pecha televisiva, que resulta justamente do facto dela não ser interactiva.
Em Comunicação profissional ou de massas,
interactividade é a capacidade de o receptor controlar o tempo e a sequência
da mensagem. O emissor, portanto, põe à disposição do receptor um conjunto
sinalizado e modular de conteúdos, deixando-lhe a possibilidade de escolher
aqueles que lhe interessam, quando lhe interessam e como lhe interessam.
Já na televisão, todo este controlo é feito pelo emissor. O que, justamente,
a obriga a depender das audiências médias massificadas e cria um arquireceptor
passivo, avesso a escolhas e gregário no sentido de que gosta de ver aquilo
que a sua comunidade vê. O que coincide com o perfil tipo da faixa C:
popular, acrítico, ignorante, emotivamente impressionável e crédulo.
E daqui já se intui a resposta à pergunta
subjacente: a televisão tem futuro? Na verdade, a televisão terá futuro
enquanto existir o seu receptor-tipo em número economicamente viável.
O que parece não estar em causa, até porque é a própria televisão que
em boa medida o ajuda a formar... Pelo que é possível prever que a televisão
tenderá a ser cada vez mais popular e o povo cada vez mais televisivo,
num círculo-vicioso infernal de consequências sociais e políticas imprevisíveis.
Até porque não terá qualquer oposição, uma vez que os receptores mais
evoluídos, das faixas A e B, tenderão a substituir a televisão pelo multimédia,
onde poderão escolher o que querem ver e ler, e como e quando o querem
fazer.
É evidente que a produção audiovisual, nomeadamente
cinematográfica, terá de ser digitalizada para estar disponível em suporte
multimédia. E os programas noticiosos serão produzidos para uma espécie
de banco de dados onde o receptor escolherá, a cada momento, o que lhe
interessa, a la carte. Tudo isto virá revolucionar a Comunicação profissional
em geral e o Jornalismo em particular, de uma forma que não cabe agora
aqui explicar, mas que, grosso modo, podemos identificar como uma crescente
especialização das diversidades no binómio conteúdo-receptor.
Mesmo o fenómeno das televisões regionais
- que aliás não sei se poderão chegar a este Portugal centralista -, não
poderá escapar a esta lógica. Tem, no entanto, a vantagem de evitar o
centralismo, que é em si muito negativo para todo o processo de libertação.
Resumindo e concluindo: dentro de uma década, talvez, teremos dois tipos
muito diferentes de receptores dos mass media. Um, mais popular,
continuará a assistir passivamente a uma televisão cada vez mais feita
à sua medida. Outro, mais evoluído, estará no multimédia, ou seja, terá
um televisor ligado ao seu computador pessoal, que lhe dará acesso, na
Internet ou noutra rede, a um banco de dados onde pode ir buscar, quando
quiser, aquilo que lhe interessa, obviamente pagando, desde as últimas
notícias nacionais ou internacionais, programas sobre os assuntos que
gosta, o filme X ou Y, ou mesmo determinado livro, que depois pode ou
não mandar imprimir na sua lazer caseira…
Também aqui se pode dizer que cada um terá
o futuro que merece. É, finalmente, a liberdade na informação; mas uma
liberdade que necessariamente pressupõe e exige um tipo diferente e mais
evoluído de receptor.
Será, estou em crer e querer, a primeira
grande revolução social do século XXI.