«Giroflé?»
Pequeno conto publicado na rubrica «Gavetas do Tempo» do jornal «O Comércio
do Porto»
Sob a aragem fétida do fim de um Tempo,
ele, português e optimista, usava colher cravos no jardim da Celeste.
Não que fosse tão distraído ao ponto de se esquecer, depois, de lhes arrancar
as pétalas, uma a uma, e as triturar gostosamente sob o cardado das botas...
De resto, o movimento, qual fosse ele, seria
sempre para si extemporâneo; o que ele gostava era de deixar ao vento
o labor fortuito de lhe talhar a esfinge.
Meio do passado, meio do futuro, aprendera
no tempo da gesta, e confirmara no computador, que acaso o Poeta viesse
dizer ao mundo que tudo vale a pena se a alma não é pequena, quereria
com isso significar, muito sacanamente, que sendo pequena a alma colectiva,
já nada valeria realmente a pena.
Prevenira até os conhecidos: - Serviço
é serviço, conhaque é conhaque... Olhai que traço entre nós uma linha
vertical e desprezarei qualquer que a ultrapasse! Não guardava era
rancor. E nem reparava no sangue que lhe escorria pelas costas, das facadas.
Certo fim de tarde descobriu o horizonte.
E perguntou-se, abismado: - Mas que faço eu aqui no meio do caminho?! E durante uma hora fugaz teve noção da missão que trazia consigo; perdendo-a
depois, languida e brejeiramente, no sono das coxas mais férteis.
Mas era bom rapaz: outro dia pregara mesmo
dois estalos numa criancinha, furibundo como estava com o chefe do Estado...
Contudo, depressa abandonou esta objectividade neo-realista; pegou foi
numa pressão-de-ar e abalou-se mas é aos pardais. Quixotescamente,
porém, atirava-lhes em voo!
Comentava-lhe um cão vadio, que arranjara
para a caça: Que raio de seca! Sempre há cada fábula... Tens
razão, meu velho! - retorqui-lhe o optimista, atirando a espingarda
às malvas - Giroflé? O cão disse que sim; e logo partiram ambos,
desembestados, o bicho a cheirar os cravos do jardim da Celeste, ele a
encher a tarde de canções.
Giroflé, flé, flá!...
Oh ai, oh linda!...