Texto
de Manuel Abranches de Soveral publicado como introdução no livro
"Donas-Boto de S. João da
Pesqueira. Origens e novos ramos", 2005, de Albano Chaves
Corrigido e aditado
o
A origem medieval
dos Boto está verdadeiramente por investigar. Mas os elementos que pude
recolher em fontes primárias, conjugados com as informações bibliográficas
mais credíveis, levam-me a crer que se trata de uma família nobilitada
no século XV, muito embora se encontrem indivíduos deste nome pelo menos
desde meados do séc. XIII, nomeadamente um Martim Peres Boto, que em
1256 vivia em Sernancelhe, e um João Anes Boto, vizinho de Sintra, que
a 6.2.1323 teve, com sua mulher Margarida Domingues, o prazo de um pomar
em Colares.
Informa
Alão de Moraes [1] que "dizem" que a família nobilitada começa em Estêvão Anes Boto,
natural de Évora, e sua mulher Maria Anes, "que jazem na capela do
Espírito Santo de S. Domingos de Évora, que fez Gonçalo Lobo, seu descendente".
Esta informação parece estar correcta, pois pude documentar [2] em Évora um Estêvão Anes Boto,
já falecido a 22.12.1435, quando sua mulher, não nomeada, já viúva ("molher
que foy"), aparece com casas nesta cidade contíguas a um chão na
"alcorcova velha", junto à rua dos Mercadores, aforado pelo rei
a Gomes Fartos, morador na dita cidade. Documenta-se [3] também que este Estêvão Anes
Boto exerceu o ofício de tosador (tosquiador), sendo portanto da plebe,
porventura enriquecida.
Alão faz filho deste casal o Martins Esteves Boto, "que viveu no
tempo de el-Rei D. Afonso 5º, que lhe deu armas". E, com efeito,
D. Afonso V deu a 1.4.1462 armas novas a Martim (Martinho) Esteves Boto,
cavaleiro, em paga dos seus serviços, desde o reinado de D. João I.
Refere o documento que Martim Esteves Boto esteve na tomada de Ceuta,
no cerco de Tânger e finalmente em Alcácer, "com armas, cavalos e
homens, com grande despesa sua".
De Martim Esteves
Boto recolhi toda a documentação existente nas chancelarias de D. Duarte
e D.Afonso V, a saber:
-
1435.4.22,
Évora - Carta de privilégio de D. Duarte, "querendo fazer graça
e merçee" a Martim Estevez Boto, morador na cidade, "porquanto
he nosso vassallo e esta prestes pêra nos servir com suas bestas
e armas", em "forma de preuilegio de paniguados per que ajam
os dictos seus caseiros e mordomos e paniguados e lavradores os
previlegios e liberdades delles".
-
1436.1.18,
Estremoz - Martim Stevez Boto, mercador, morador na cidade de Évora,
teve carta de D. Duarte de confirmação do emprazamento "pera
todo sempre" de umas casas que "teem arcos" na rua dos
Mercadores, na dita cidade, de "dez couodos de longo e sete d
ancho", de que paga de foro anual 13 soldos e cinco dinheiros,
e de outras "detras na alcaruoua", que "fez na sacada
que tomou d onze couodos de longo e vj d ancho", que paga foro
anual de cinco soldos. O foro total era de 18 soldos e cinco dinheiros
da moeda antiga, o qual "partem com vasco rodriguez genrro do
boto e com lianor gomez".
-
1436.3.24,
Évora - Carta de foro dada por D. Duarte "pera sempre" a
Leonor Gomes de umas casas na cidade que partem com casas de Martim
Boto e com casas de Lourenço Rodrigues, alfaiate.
-
1443.1.27,
Évora - D. Afonso V privilegia Martinho Esteves Boto, seu vassalo,
morador na cidade de Évora, a seu pedido, coutando-lhe a terra de
Souses, termo da cidade de Évora, pelos serviços prestados na cidade
de Tânger.
-
1450.2.27,
Évora - D. Afonso V privilegia Martim Esteves Boto, seu vassalo,
morador em Évora, coutando-lhe a seu pedido uma herdade em Sousel.
-
1450.3.28,
Évora - D. Afonso V quita a Martinho Esteves Boto, morador na cidade
de Évora, umas casas na dita cidade, que eram de João Pereira, desembargador.
-
1459.2.20,
Évora - D. Afonso V privilegia Martim Esteves Boto, cavaleiro, morador
em Évora, recebendo-o por vassalo.
-
1462.4.1,
Santarém - Carta de armas novas.
-
1475.4.4,
Évora - D. Afonso V privilegia vitaliciamente Martinho Esteves Boto,
cavaleiro, morador na cidade de Évora, concedendo-lhe autorização
para andar de besta muar.
-
1478.11.5,
Évora - D. Afonso V privilegia vitaliciamente Inez Anes, viúva de
Martinho Esteves Boto, morador na cidade de Évora, isentando-a do
pagamento de qualquer foro de umas casas que tem na alcarcova do
muro velho, junto da porta nova da dita cidade.
Parece evidente
que estes documentos se referem ao mesmo Martim Esteves Boto. E que
este Martim Esteves é diverso do Martim Boto, tabelião, morador na vila
de Nisa, a quem, em 1439, D.Afonso V nomeou para o cargo de escrivão
da coudelaria dessa vila, tal como o era em vida de D. Duarte. Sendo
provável que este Martim Boto seja o que em 1436 tinha casas junto ao
prazo feito a Leonor Gomes, que julgo sua irmã e ambos filhos de Martim
Esteves.
Tendo em conta apenas estes dados, é possível desde logo estabelecer
uma relação fundiária entre Estêvão Anes Boto e Martim Esteves Boto,
uma vez que ambos possuíam casas na alcorcova do muro velho,
junto da porta na cidade de Évora. Se a isto associarmos a onomástica,
inclusive patronímica, a cronologia e a informação genealógica de Alão,
podemos concluir com relativa segurança que se trata efectivamente de
pai e filho.
Verificamos,
também, que já o pai usava o nome Boto, pelo que não podemos aceitar
a ideia corrente de que o nome resultou de alcunha ganha em Ceuta por
Martim Esteves. Aliás, tendo em conta os vários indivíduos com nome
Boto que nessa época se documentam, curiosamente apenas no Alentejo,
é certo que o nome já existia, sendo ou não esses indivíduos todos da
mesma família.
Para balizar
cronologicamente Martim Esteves Boto, temos as informações documentais
extremas: esteve na tomada de Ceuta (1415), ainda vivia em 1475 e já
tinha morrido em 1478. Verificamos também que em Abril de 1435, sendo
vassalo (não-nobre) do rei está prestes a partir para a guerra, mas
que em Janeiro do ano seguinte ainda estava em Évora, sendo referido
como mercador. E só em 1459, já cavaleiro, é recebido como vassalo nobre.
Quer
isto dizer que Martim Esteves deve ter nascido cerca de 1395 e teria
aproximadamente 20 anos quando participou na tomada de Ceuta, cerca
de 63 quando esteve na conquista de Alcácer-Seguer, e 67 anos quando
teve carta de armas, vindo a falecer depois de 1475 e antes de 1478,
com mais de 80 anos. Tendo em conta que não é posteriormente referido
como escudeiro, está afastada a hipótese de ter ido a Ceuta como escudeiro
de qualquer fidalgo. Provavelmente acompanhou seu pai Estêvão Anes Boto
nessa expedição, tendo em conta que outros autores [4] dão início à genealogia dos
Boto justamente em Estêvão Anes Boto, "que foi na armada que o rei
D.João I mandou a Africa para a conquista da cidade de Ceuta, em cuja
expugnação se mostrou valoroso soldado". Não dizem essas genealogias
é que ele foi tosador…
Martim Esteves,
então com cerca de 20 anos de idade, terá assim ido a Ceuta na companhia
de seu pai, ambos como soldados ou homens de armas de algum fidalgo
de Évora ou mais provavelmente do próprio rei, pois é referido em 1435
como seu vassalo. Aparentemente ainda não tinha partido no início do
ano seguinte, quando se documenta em Évora e é referido como mercador.
Só portanto terá ido de novo a África na malograda expedição a Tânger
em 1437. Voltou depois a Évora, onde se documenta em 1443 e 1450. E
regressou mais uma vez a África com D. Afonso V na conquista de Alcácer
Seguer em Outubro de 1458, onde terá sido feito cavaleiro, pois no início
de 1459 já aparece como cavaleiro quando em Évora é recebido como vassalo
do rei. Finalmente, em 1462 obtém armas novas.
Martim
Esteves terá casado cedo a 1ª vez, certamente antes da partida para
Ceuta, uma vez que tinha uma filha casada em 1436. Pelo que é provável
que também fosse pai do referido Martim Boto, tabelião de Niza, que
já era escrivão da coudelaria dessa vila no reinado de D.Duarte e tinha
casas em Évora em 1436, teria então cerca de 21 anos de idade. Deste
Martim Boto parece mais irmão do que filho um Gonçalo Boto, escudeiro,
morador em Nisa, a quem D. Afonso V confirmou a 2.5.1475 o seu testamento
e o de sua mulher. Este Gonçalo seria assim, nesta hipótese, também
filho de Martim Esteves, de quem julgo são ainda filhos não só o célebre
doutor Rui Boto, que foi chanceler-mor do reino e que aliás é o único
filho que Alão lhe dá, mas também o Pedro Boto, pajem de Fernão Telles,
que esteve na batalha de Alfarrobeira e por tal teve carta de perdão
de D. Afonso V a 9.4.1451. Este Pedro Boto, morador em Évora, onde se
documenta [5] vereador, é ainda referido
numa carta de perdão de D. Afonso V de 17.3.1473 a Jossepe Abracar,
mercador, morador na dita cidade, por querela que dele deu o dito Pedro
Boto.
Este Pedro
Boto parece ser o que Gaio diz que foi comendador de Alcains e pai de
Isabel Pereira Boto, casada com Lopo Dias de Brito. Destes, para além
dos filhos que as genealogias lhe dão, julgo que são filhos também Garcia
Dias Boto, vereador do Senado da Câmara de Viana do Castelo em 1526,
e Leonor Dias Boto, falecida a 24.8.1538 em Viana, que casou com Fernão
do Cais e depois com o célebre João Álvares Fagundes, descobridor da
Terra Nova.
De Pedro Boto
julgo que foi filho ainda o Gonçalo Esteves Boto referido por Gaio,
que o diz natural de Évora e comendador de Carreço, e que lhe dá como
filhas Violante Nunes Boto, casada a 1ª vez com João Velho Barreto e
a 2ª com Jorge Barbosa de Sousa, e Grácia Nunes Boto, que casou com
Valentim da Rocha e foram fundadores da capela de S. Bartolomeu, na
matriz de Viana, e do morgadio de Vila de Punhe.
Documento ainda
um outro Gonçalo Esteves Boto, anterior, que certamente é irmão de Martim
Esteves, portanto filho de Estêvão Anes, o tosador que foi soldado a
Ceuta. Este Gonçalo Esteves Boto, morador em Setúbal, aparece como pai
de um Mem Gonçalves que teve carta de perdão real a 10.2.1464 por estar
acusado da morte de um criado de Lopo Fernandes Andorinho, cavaleiro
da Casa do infante D. Fernando. Diz-se nesta carta que o perdão, obtido
mediante instrumento público de perdão feito a seu favor, pelos familiares
da vítima, a 5.9.1463, é dado na sequência do perdão geral outorgado
aos homiziados que serviram na armada real em Ceuta, o que certamente
se refere a Gonçalo Esteves, que assim teria, como o irmão Martim, acompanhado
o pai a Ceuta. Deste Gonçalo Esteves Boto documenta-se também filho
um Luiz Gonçalves, morador em Setúbal, que a 17.8.1456 teve carta de
perdão real, vindo acusado de vários malefícios, na sequência do perdão
geral outorgado pela ida contra o Turco, contanto que vá estar um ano
na cidade de Ceuta, e um Gomes Gonçalves Boto, morador em Setúbal, a
quem D. Afonso V perdoou o resto do tempo de degredo do ano a que fora
condenado para a cidade de Ceuta, acusado de ter ferido várias pessoas,
na sequência do perdão geral outorgado aos homiziados que serviram na
armada e tomada da vila de Alcácer. É o Gomes Gonçalves Boto, morador
em Setúbal, que a 8.6.1464 foi nomeado escrivão da dízima e sisa do
pescado da dita vila, em substituição de Pedro Afonso, que renunciara.
A 28.6.1481 renunciou ao cargo de escrivão das ementas da ribeira de
Setúbal. A 10.9.1481 o príncipe D. João perdoou a justiça régia pela
fuga da prisão do concelho de Setúbal e deu carta de segurança a Gomes
Gonçalves Boto, morador nesta vila, pela fuga de um preso, tendo pago
500 reais para a Piedade. Sendo que deste Gonçalo Esteves Boto deve
ser filho (ou sobrinho) o Gonçalo Boto referido numa carta de 4.2.1516
do juiz e vereadores de Setúbal para o rei, a propósito de uma carta
que o dito Gonçalo Boto lhe escrevera referente à dízima da sardinha
de fumo de Setúbal.
De
Gonçalo Esteves e Martim Esteves parece ainda irmão um João Boto, documentado [6] em Évora como criado do rei,
que por sua vez parece pai de um Afonso Anes Boto, tabelião da vila
de Setúbal, que a 2.7.1456 teve carta de perdão real, acusado de ter
feito uma quitação falsa contra Pedro Manhos, tendo pago 3.000 reais
brancos para as obras da Relação régia, ficando proibido de exercer
o ofício de tabelião. Que é certamente o Afonso Anes Boto, morador no
Bombarral, monteiro e guardador das matas de Moreira, que por sua morte
foi substituído no cargo em 1472.
Se bem que
esta identificação de Gonçalo Esteves como irmão de Martim Esteves pareça
muito provável, convém no entanto dizer que já em 1425 aparece em Setúbal
um Rodrigo Afonso Boto, que aí é mordomo da igreja de Santa Maria da
Anunciada. Este Rodrigo Afonso Boto já tinha falecido a 18.1.1440 quando
o rei privilegiou Constança Lourenço, moradora em Setúbal, sua viúva,
a pedido de Frei Mendo de Vasconcellos, freire da Ordem de São Francisco,
isentando-a do direito de pousada, bem como a seus filhos. Acresce que
a 17.2.1451 D. Afonso V privilegiou Lourenço Álvares Boto, morador em
Castelo de Vide, a pedido do seu escrivão da puridade Nuno Martins da
Silveira, isentando-o do pagamento de diversos impostos ao concelho,
de ser posto por besteiro do conto, de ir com presos e dinheiros, de
ser tutor e curador, bem como de quaisquer ofícios, encargos e serviços
concelhios.
Aqueles Rodrigo
Afonso Boto e Lourenço Álvares Boto, ambos claramente plebeus, parecem
da geração de Estêvão Anes Boto, o primeiro filho de um Afonso e o segundo
filho de um Álvaro, talvez irmãos, bem assim como irmãos do João, virtual
pai de Estêvão Anes. É assim possível que estes Boto sejam originários
de Setúbal, onde provavelmente nasceu o pai (João) de Estêvão Anes Boto,
que terá ido casar a Évora cerca de 1370.
Temos,
finalmente, o Rui Martins Boto que dá origem aos Boto que este livro [7] desenvolve e que Gaio diz
que "foi viver para a Pesqueira com a mercê dos Ofícios de Juiz dos
Orfans e Escrivão da Câmara dados por serviços em África teve tença
que lhe deu o Rei D. Afonso V como diz Pedro de Mariz em seus Diálogos,
e casou com Felipa de Souza Guerra, Prima carnal de Baltazar ou Gaspar
de Souza Padroeiro de S. João da Pesqueira". Gaio diz que este Rui
Martins era filho de Estêvão Boto, da serra de Estrela, a quem D.Afonso
V deu armas em 1462. E, na verdade, documenta-se um Rui Martins Boto
que em 1514 foi feito tabelião de S. João da Pesqueira, mas demasiado
tardio para ser filho de Martim Esteves Boto,
que foi quem, na verdade, teve carta de armas em 1462.
Aquele Estêvão
Boto podia ser confusão com Martim
Esteves Boto, não fosse a cronologia. Genealogias familiares dizem que
um filho homónimo de Rui Martins teve carta de armas em 1573, documento
que não se encontra, onde os avós paternos viriam referidos como Estêvão
Boto, da serra da Estrela, e sua mulher Maria de Souza, natural de Folgosinho
(Seia), dizendo-se que o armoriado era descendente de Martim Esteves
Boto. A dar crédito à existência desta carta de armas, parece evidente
que o Rui Martins Boto que foi para S. João da Pesqueira era então filho
de um Estêvão (Martins) Boto, de Évora, que foi casar a Folgosinho,
na serra da Estrela, com Maria de Souza, onde passou a viver. E que
este Estêvão Boto era filho de Martim Esteves Boto.
Acontece,
porém, que o Dr. Paulo de Távora Boto, bisneto deste Rui Martins, diz
que ele era filho de um estranho Heitor Barran de Olivete [8] , "de geração muito nobre
dos Boto e Donas, de Beja". Que os Boto, recém-nobilitados, não
eram "muito nobres" nem de Beja, já sabemos. É verdade que o
descendente teria obrigação de conhecer o nome do bisavô, tanto mais
que tratou a genealogia da família. Mas na mesma linha de ideias também
devia saber que descendiam de um tosador de Évora… Assim, se este Heitor
de facto existiu e não é uma conveniente fantasia como o nome faz sugerir,
podia ter casado com uma virtual filha do dito Estêvão Boto, tendo a
alegada carta de armas saltado uma geração, como acontece por vezes
para "compor" uma varonia.
Que lição podemos
tirar da cronologia? Já vimos que Martim Esteves Boto terá casado novo,
a 1ª vez, cerca de 1415. Seu alegado filho Estêvão seria o mais novo,
porventura do 2º casamento, pelo que pode ter nascido cerca de 1436
e casado cerca de 1469. O que apontaria o nascimento de seu alegado
filho Rui Martins Boto lá para 1470, tendo portanto cerca de 44 anos
quando foi feito tabelião da Pesqueira. Tudo aceitável, se bem que seja
uma cronologia suficientemente dilatada para permitir a outra hipótese,
ou seja, de Rui Martins ser neto (materno) e não filho de Estêvão Boto,
principalmente se Estêvão Boto nasceu mais cedo.
De referir,
contudo, que embora um descendente de Rui Martins Boto tenha casado
com sua prima Catarina Donas, dando origem aos Donas-Boto, parece que
já na ascendência de Rui Martins havia o nome Donas. A origem destes
Donas é desconhecida, mas documentei na Chancelaria de D.Afonso V o
chamadouro Donas usado por três indivíduos do século XV, todos do Alentejo,
a saber: Diogo Lourenço das Donas, morador em Torrão, João Afonso das
Donas, tabelião do cível e crime de Salvaterra de Magos em 1445, e João
Gonçalves das Donas, fiador das rendas das sisas do pão, pescados, azeite
e panos de linho de Évora, cargo que perdeu em 1452. Este último poderia
ter sido o pai de Inez Anes, a 2ª mulher de Martim Esteves Boto e mãe
de Estêvão Boto, sendo este, portanto, filho do 2º casamento e nascido
lá para 1436, o que aponta para que Rui Martins Boto seja filho e não
neto deste Estêvão.
Pela cronologia,
também o famoso doutor Rui Boto devia ser filho do 2º e não do 1º casamento
de Martim Esteves Boto.
Esquema genealógico
Em conclusão, apresento seguidamente um
esquema genealógico do que poderia ser a descendência próxima de Estêvão
Anes Boto. Sendo que a única aparentemente nobilitada é a que descende
de Martim Esteves Boto, muito embora não seja de estranhar que no século
XVI e posteriores se possam ter passado cartas de armas indiscriminadamente
a todos quantos usassem o nome Boto. De resto, é na própria descendência
de Martim Esteves Boto que se deve encontrar aquele Boto que antes de
1502 tinha uma adega ("adega que foy do Boto") justamente na
rua dos Mercadores, junto à "alcarcova", em Évora. [9] E deste pode ter sido escrava
Francisca Boto, escrava mulata que a Inquisição de Évora prendou a 30.1.1552,
acusada de feitiçaria e "pacto com o diabo".
1. Estêvão
Anes Boto,
n. em Évora cerca de 1370, tosador, já fal. em 1435. Terá estado como
soldado na tomada de Ceuta. C. cerca de 1415 c. Maria Anes, que
ainda viva em Évora em 1435.
1.1. Martim
Esteves Boto,
n. em Évora cerca de 1395 e fal. depois de 1475. Esteve em Ceuta com
seu pai. No início de 1436 era mercador em Évora, partindo em 1437 como
vassalo do rei para a expedição de Tânger. Esteve com D. Afonso V na
conquista de Alcácer-Seguer, onde terá sido feito cavaleiro. Em 1459,
já cavaleiro, foi tomado como vassalo nobre do rei e em 1462 teve carta
de armas novas. Segundo D. Flamínio de Sousa, foi juiz em Évora
em 1466, vereador em 1473 e teve uma herdade coutada em 1443. Deve ter
casado a 1ª vez, cerca de 1414, com uma Leonor Gomes (a).
Casou 2ª vez, cerca de 1435, com Inez Anes (b), que a
5.11.1478, já viúva, teve privilégio vitalício de isenção do pagamento
de qualquer foro de umas casas que tem na alcarcova do muro velho, junto
da porta nova da dita cidade. Como ficou dito, esta Inez Anes podia
ser filha do João Gonçalves das Donas que era fiador das rendas das
sisas do pão, pescados, azeite e panos de linho de Évora e que perdeu
seus bens nesta cidade (por ter estado em Alfarrobeira?), bens esses
que D. Afonso V doou a 10.10.1452 a Aires Gonçalves.
1.1.1. ?(a) Martim Boto, n. cerca de 1415, tabelião de Nisa e escrivão da
coudelaria desta vila em Setembro de 1438. Em 1439 D. Afonso V nomeou
Martim Boto, tabelião, morador na vila de Nisa, para o cargo de
escrivão da coudelaria dessa vila, tal como o era em vida de D. Duarte,
em cuja chancelaria não consta a nomeação, pelo que deve ter acontecido
pouco antes da morte deste rei. Teria assim sido nomeado escrivão da
coudelaria em Setembro de 1438, com 18 anos de idade. Deve ser o Martim
Boto que tinha casas em Évora em 1436, embora então fosse menor, provavelmente
herdadas de sua mãe, então já falecida.
1.1.2. (a) (...) Boto, n. cerca de 1416 e casada antes de 1436 com Vasco
Rodrigues, morador em Évora.
1.1.2.1. ?Catarina
Boto, que era casada com Nuno Fernandes Godinho, escudeiro
do príncipe, quando em 1463 tiveram um prazo junto ao Hospital
de Évora.
1.1.2.2. ?Beatriz
Boto, que casou com Diogo de Pina e eram moradores em Évora
quando em 1480 seus filhos Manuel e João aí tiraram ordens
menores.
1.1.2.3. ?Leonor
Boto, que casou com Pedro de Carvalhais e eram moradores
em Évora quando em 1480 seus filhos Afonso e Fernando aí
tiraram ordens menores.
1.1.3. ?(a) Gonçalo Boto, n. cerca de 1418, escudeiro, morador casado em
Nisa, que teve confirmação real do seu testamento e de sua mulher em
1475. Talvez o Gonçalo Boto que em 1464 é referido com tendo casa em
Lisboa, junto da "cerca velha".
1.1.3.1. Gonçalo
Martins Boto, n. cerca de 1455, morador na vila de Nisa, onde fez
testamento a 31.6.1533 e instituiu uma capela na igreja de S. Sebastião.
Neste testamento refere seu filho Fernão (Gonçalves Boto)
e seus sobrinhos (por afinidade?) Simão Vaz e Pedro Fernandes,
e mandou rezar missas por alma de seu tio Martim Boto. É portanto
o Gonçalo Boto, escudeiro e tabelião do duque de Viseu,
que instituiu em Nisa com sua mulher Constança Vaz uma
capela em 1484, conforme refere a Memória Histórica
de Nisa (1855), de Mota e Moura, invocando o desaparecido Tombo
das Capelas da matriz da vila de Nisa. Seu
filho Fernão Gonçalves Boto, que então não
tinha ainda 15 anos, era para ter sido capelão da referida capela,
o que não aconteceu, tendo casado com Catarina de Sampaio, da
dita vila, dando origem aos Boto de Sampaio daí. Este Gonçalo
Martins Boto deve ser o Gonçalo Boto que a 20.2.1482 foi escrivão
do serviço novo dos judeus de Niza. E o Gonçalo Boto, escudeiro, que
a 9.3.1503 foi nomeado tabelião de Viana do Alentejo. E ainda o Gonçalo
Boto que se documenta juiz ordinário da vila de Nisa entre 1518
e 1521. Este Gonçalo (Martins) Boto pode ainda ser pai do Rui
Martins Boto que a 6.12.1501 foi tabelião na vila de Alpalhão
(concelho de Nisa).
1.1.3.2. ?Rui
Gonçalves Boto, que teve carta de perdão a 20.4.1484, e que talvez
fosse pai dos Estêvão Rodrigues Boto e Gonçalo Rodrigues Boto
que tiveram cartas de perdão a 17.3.1491 e 29.11.1491.
1.1.4. ?(a) Pedro Boto, n. cerca de 1421, que esteve na batalha de Alfarrobeira
como pajem de Fernão Telles. Foi vereador do Senado da câmara de Évora.
Deve ser o comendador de Alcains de que fala Gaio, que o diz pai de
Isabel Pereira, abaixo.
1.1.4.1. Isabel
Pereira Boto,
n. cerca de 1450, que c.c. Lopo Dias de Brito, n. cerca de 1430
e legitimado[10] por carta real de 7.8.1437, filho de outro Lopo Dias de
Brito, claveiro [11] da Ordem de Avis, e de Tereza Anes, solteira.
1.1.4.1.1. ?Leonor
Dias Boto, que n. antes de 1470 e foi sepultada a 24.8.1538 na Santa Casa da Misericórdia de Viana. Em 1535, para não pagar um novo tributo concelhio, fez prova de nobreza,
mostrando que seu marido era cavaleiro e que era de sua casa a capitania
de todas as ilhas que se descobrissem na Terra Nova. Em 1527 deu à Misericórdia
100 reais pelo enterramento de uma sua escrava, e em 1531 deu trigo
no valor de 1.080 reais à dita Misericórdia. C. a 1ª vez c. Fernão
Rodrigues "do Cais" (a), de Viana, c.g., C. a 2ª vez, antes
de 1504, com o célebre João Álvares Fagundes (b), n. cerca de 1460 e fal. em Dezembro de 1522, que descobriu a Terra Nova
(Canadá) antes de 1499. Era cavaleiro da Casa de D. Manuel I quando
este, a 22.5.1521, lhe fez mercê da capitania das ilhas e terras que
já descobriu ou viesse a descobrir, além das terras que os Corte Reais
descobriram, mais a norte (Gronelândia). Foi cevadeiro e escrivão da
sisa da alfândega de Viana (4.3.1502). Era juiz ordinário e vereador
da Câmara de Viana em 1512, de novo a 11.4.1515, e de novo vereador
quando em Dezembro de 1522 foi substituído por sua morte.
1.1.4.1.1.1. (a) Diogo Fernandes "Belinho", já maior de idade em 1504, que c.c. Maria Barbosa. Concorreram para a fundação do convento de S.
Bento de Viana.
1.1.4.1.1.2. (a) António Fernandes "do Cais", n. cerca de 1485, documentado como
escudeiro fidalgo numa escritura de venda de 1551, fez justificação
de nobreza em 1535 e testamento em 1566. C.c. Ana Pereira do Lago,
c.g.
1.1.4.1.1.3. (a) Martim Fernandes "Castelo", almoxarife em Viana, que c.c. Leonor
Pinto, c.g. na casa de Bertiandos.
1.1.4.1.1.4. (a) João Fernandes
1.1.4.1.1.5. (b) D. Violante, n. entre 1495 e 1505, que c. cerca de 1510/20 c. João de Souza de Magalhães, fidalgo, senhor de Penteeiros e Francemil, etc., c.g. nos senhores da Trofa e casa de Bertiandos. Para ter filhos maiores de idade em 1504,
Leonor Dias Boto não pode ter nascido depois de 1470. Por outro lado,
em 1521 teria mais de 50 anos de idade, pois a mercê de D. Manuel deste
ano não prevê sequer a hipótese de que possa vir a ter mais filhos.
D. Violante, mulher de João de Souza de Magalhães, era a única filha
do 2º casamento de Leonor Dias, como se documenta. Pela cronologia de
seus filhos e netos, João de Souza de Menezes casou entre 1510 e 1520,
tendo nascido cerca de 1480. Seu filho Damião de Souza ainda vivia a
2.10.1597, na sua quinta de Penteeiros, quando lhe escreveu o arcebispo
de Braga sobre o seu padroado de Estorãos. Seu pai, Fernão de Souza
(vide Ensaio
sobre a origem dos Magalhães), seria ainda solteiro quando a
12.3.1477, sendo referido como fidalgo, fez juramento e homenagem ao
arcebispo de Braga como alcaide-mor do castelo de Ervededo. D. Violante
terá assim nascido entre 1495 e 1505. Pedro Magalhães Abreu Coutinho,
na sua obra póstuma "Fagundes e a descoberta do Canadá", Ponte
de Lima, 2000, não aceita que D. Violante seja a filha de João Álvares
Fagundes e considera falsa a manda testamental que o documenta, com
argumentos que, no entanto, podem perfeitamente ser explicados ou por
má leitura, erro de cópia ou deficiente exegese, e sem outra razão documental
salvo uma justificação de 1604, tardia e porventura interessada numa
maior aproximação ao fidalgo João de Souza de Magalhães. Propondo, em
alternativa, mas sem qualquer prova, que a filha de João Álvares Fagundes
seja uma Catarina Fagundes casada com Gonçalo Afonso Cerqueira, pais
de uma Margarida Fagundes casada com Pedro Rodrigues de Araújo. Sendo
este o "Pedro Roiz genro da Fagundes" cuja filha se sepultou
na Misericórdia de Viana em 1546, e sendo aquele Gonçalo Afonso o que
se documenta como "Gonçalo Afonso da Fagunda", expressão tão
popular que dificilmente se aceita que fosse genro de João Álvares Fagundes.
Sendo certo que em Viana viviam então muitos indivíduos plebeus de apelido
(patronímico) Fagundes. A dita justificação, que a 2.7.1604 fizeram
Gonçalo Pereira do Lago e Filipe Pereira do Lago, diz que a mulher de
João de Souza de Magalhães, "fidalgo nos livros de El-Rei", era
filha de Fernão Rodrigues e sua mulher Leonor Dias Boto. Mas, por tardio
e eventualmente interessado, este é testemunho que só por si não faz
prova e que, como veremos, se engana ou mente. O documento determinante,
contudo, é a manda testamental que João de Souza e sua mulher D. Violante
fizeram a 16.4.1548, onde se diz que ela era filha de João Álvares Fagundes.
De resto, D. Violante herdou a capela por ele instituída, sendo João
Álvares Fagundes o único familiar do casal por quem são deixados bens
de alma. Aliás, documenta-se autonomamente que João Álvares Fagundes
a 24.5.1516 tinha uma propriedade em Valverde. E documenta-se, também
autonomamente, que João de Souza tinha a 22.12.1526 uma propriedade
em Valverde, certamente a mesma, e a que refere na sua manda. E esta
é prova relevante. De resto, mais depressa se entende o casamento de
João de Souza de Magalhães, o único fidalgo no meio disto tudo, com
a filha herdeira de João Álvares Fagundes do que com uma sua enteada
pobre. Para todos os efeitos, não me parece haver razões para duvidar
da autenticidade da manda de João de Souza e sua mulher D. Violante,
que, embora se diga também testamento, trata-se na verdade de uma manda,
ou seja, das disposições de votos pios, enterramento e doações, respeitantes
à terça disponível. Por essa razão não fala dos filhos todos, cada um
herdeiro da sua legítima. É o seguinte o texto da manda de João de Souza
e sua mulher, conforme vêm publicado no "Tratado das Ilhas Novas",
de Francisco de Sousa (edição Arquivo dos Açores, 1884, pag. 32): "Em
nome de Deus, Amem. Saibam quantos esta manda e testamento virem como
nós João e Souza e D. Violante, moradores em esta Vila de Viana, estando
em todo o nosso siso e entendimento cumprindo assim como Nosso Senhor
Jesus Cristo nos deu, dissemos que por descarga de nossas consciências
fazemos nossa manda e testamento pela maneira seguinte: Primeiramente
encomendamos nossas almas a Jesus Cristo Senhor que as criou e remiu
por sua Santa Morte e Paixão que haja misericórdia de nos perdoar nossos
pecados que contra ele temos cometidos; e assim pedimos a sua Madre
Santa Maria e a toda a corte dos Céus que tenham por bem de lhe rogar
que de nossas almas se queira amerecer, amen. Mandamos que quando Nosso
Senhor se aprouver de levar nossas almas, que nossos corpos sejam enterrados
na Igreja desta Vila, na Capela do Crucifixo; Eu João de Souza no moimento,
no arco que parte com a Capela-mor onde está a campa de meu sogro e
eu D. Violante, no outro moimento que está contra a sacristia de Jesus,
mandamos que nos enterrem com o hábito de S. Francisco e darão esmola
a cada um dos mosteiros (...) cruzados. Mandamos que no dia de
nossos falecimentos, a cada um de nós, nos digam cem missas com todo
o ofício de mortorio e nove lições e ladainha (...) ao dito dia
lhe darão por cada um de nós, de olvadação, doze alqueires de trigo
e doze cantaros de vinho e seis dúzias de pescadas, repartidas pele
maneira seguinte. A Igreja da Vila quatro alqueires de trigo e quatro
cantaras de vinho e duas dúzias de pescadas. À misericórdia três alqueires
de trigo e três cantaros de vinho e uma dúzia de pescadas e às freiras
de S. Bento dous alqueires de trigo e uma duzia de pescadas e dous cantaros
de vinho. Mandamos que ao ano somente do nosso falecimento nos digam
e façam a cada um de nós como ao presente e repartido da mesma maneira;
e mandamos que a cada um de nós nos digam um sabadal, uma missa cada
sábado, com sua oferta de pão, de peixe e vinho como é de costume em
um ano. Mandamos que nos digam a cada um de nós mil réis; à confraria
do Espírito Santo, quinhentos réis por cada um de nós; mandamos por
cada um de nós que nos vistam cinco pobres de olanda, se forem homens
lhe darão pelotes e se forem mulheres saias e sainhos, mais dizemos
que nosso Pae João Alv.es Fagundes, que Santa Glória haja, fez sua manda
muito tempo antes do seu falecimento, em o qual manda tomava para si
todo o Val-Verde (hoje uma quinta no lugar da Arquinha, próximo
de Viana) e outros prazos, e que deixou isto à Capela do Crucifixo
que está nesta Igreja, com certas obrigações de missas e outras cousas,
segundo se contém no testamento do dito João Alv.es; e depois de estar
o dito testamento feito foi descobrir a Terra Nova, em que fez muita
despesa e tomou dinheiro emprestado, do que ficaram muitas dívidas,
e mais o nosso casamento assim, que quando veio, por sua morte, além
do nosso casamento e dos dinheiros que se pagaram, cousa nenhuma por
onde se pudessem fazer nenhum cumprimento que ele mandava e deixava
que lhe fizessem na dita capela, nem manda, nesta parte, não houve efeito,
por não haver ali por onde se fizesse; porem nos dizemos que nós outros
tomamos o dito Val-Verde, assim como está cercado com sua horta e casa
em nossos terços, o qual tomamos para sempre em quanto o mundo durar,
que nunca se possa vender nem alheiar nem descambar e só nossos herdeiros
e sucessores (…) herdar se não da maneira seguinte: Que nos a
deixamos a nossos filhos Cosme e Damião de Souza ambos, estes o hajam
em suas vidas, e por suas mortes o hajam seus filhos deles, os mais
velhos de cada um deles sempre até o fim do mundo fique sempre aos filhos
mais velhos de toda a nossa geração de um e outro, os dois filhos daqueles
que os tiveram e que sendo caso que alguns destes herdeiros que assim
o houverem faleça sem ter filho herdeiro e legítimo que herde a parte
dele que tinha o pai, em tal caso ficará todo ao vivo for; e o deixamos
assim como nosso a filhos como aos que dele sucederem, com esta condição
e obrigação, que eles cada semana mandarão rezar três missas na Capela
do Crucifixo; uma pela alma do dito João Alv.es e duas pelas nossas
almas, por cada um de nós sua missa, e mais alumiarão o lume da alampada
de azeite à dita Capela, sempre, todos os dias, enquanto se disserem
as missas na Igreja. E se algum sucessor do dito Val-Verde vender e
alheiar, descambar a sua parte, mandamos que a peca e a haja o outro
que nela tiver a dita parte; e cumprirá por nossos terços e deixamos
por cumpridor de tudo isto um ao outro, o que de nós vivo ficar, e mais
nossos filhos Cosme de Souza e Damião de Souza. Mandamos que tudo o
mais que remanescer do nosso terço de ambos que, além do que aqui mandamos
fazer o haja nosso filha D. Francisca que está em casa do Senhor Duque
de Aveiro, a qual deixamos para seu casamento, que o herde com sua legítima
e com as nossas bençãos. Mais dizemos que nós por esta descarga de nossas
consciências mandamos que do monte mor de nossa fazenda antes de ser
partilha feita se tomarão o campo do Vaxo das poças e ponturas, com
horta, cerrado e o dêem ao mosteiro de S. Bento do Porto de S. Bento
das Freiras e se ajunte ao prazo que tem nosso filho Cosme de Souza
com as mais herdades do dito mosteiro e assim se tomará uma leira de
vinha que comprei a António de Souza que jaz com vinha do prazo e se
ajuntará a ele isto tudo deixamos e assim que ficam da partilha; e mandamos
ao dito Cosme de Souza que faça apegar a atombar ao dito prazo o dito
campo e vinha para que se pague mais ao dito mosteiro; e o dito campo
e vinha (…) e for avaliado. Mandamos que do todo do monte mor
dêem a Branca, que foi nossa ama, quatro mil reis, e se pague aos herdeiros
de Diogo Rodrigues; mais tive um criado que se chamava João Gaspar de
Braga, ao qual tomamos encargo de quinhentos réis; mandamos que se saiba
se tem o dinheiro e se não o tiver, lhe paguem os ditos quinhentos reis,
e não os tendo que os diga de missas por sua alma. Mais mandamos que
dêem a Catarina Pires, ama, mil (deve ser 40) réis, para uma
fraldilha, e isto por serviço que nos fez, mais mandamos que de todo
o Montemor se diga pela alma de nosso Pae João Alv.es Fagundes dous
trintearios de finados. E por aqui dizemos que nós havemos nossa manda
a testamento por acabada. E mandamos que todas as outras mandas e testamentos
que atrás forem que nos fizemos ou cada um de nos outros, desse que
não valham em Juízo e fora dele, por quanto todos os havemos por reogados
somente este que mandamos que valha, por esta ser nossa derradeira vontade;
e por assim ser nossa última vontade rogamos a Afonso Alv.es Abade de
Parada que esta nos fizesse a qual eu João de Souza assinei. Afonso
Al.ves a rogo da dita D. Violante, assinou ao pé comigo. E eu dito Afonso
Alv.es que a rogo do dito João de Souza e de D. Violante, esta manda
lhe fiz, e aqui ao pé dela assinei, por ela não saber assinar, aos 16
de Abril de 1548". João de Souza, sendo referido como fidalgo da
Casa d'el Rei, em 1531, para ficar isento de um novo tributo da Câmara
de Viana, provou a sua nobreza, dizendo que era filho de Fernão de Souza,
fidalgo, e neto de João de Magalhães, o Velho, senhor da Nóbrega, Souto
e Ponte da Barca. Está sepultado com as suas armas (Souza, dito de Arronches)
e estátua jacente no seu túmulo na igreja matriz de Viana do Castelo.
Tem o túmulo a seguinte inscrição: "Aqui jaz Joham de Souza de Magalhais
e seu filho Cosme de Souza". No pilar exterior da capela, da banda
do evangelho, diz: "Tem obrigação esta Capela de três missas cada
semana e (...) cada mês; pela alma de Joham de Souza Magalhães
e sua mulher Violante e seu filho Cosme de Souza. Em Perpetuo".
Finalmente, como prova final e definitiva de que D.
Violante era a filha única e herdeira de João Álvares Fagundes, temos
a carta de D. Filipe I de 2.6.1589 para Damião de Souza, fidalgo da
sua Casa, que lhe manda pagar a avultada soma de 2.000 cruzados pelos
direitos do descobrimento da Terra Nova. Ou seja, os direitos do descobrimento
da Terra Nova estavam então na posse de Damião de Souza, neto (materno)
herdeiro de João Álvares Fagundes.
1.1.4.1.2. Lopo
Dias de Brito,
que c.c. Isabel Ribeiro, c.g.
1.1.4.1.3. ?Garcia
Dias Boto, vereador do Senado da Câmara de Viana do Castelo em 1526.
1.1.4.2. ?Beatriz
Boto, que viveu em Évora c.c. Francisco de Resende, "criado"
do bispo de Évora D. Garcia de Menezes, a quem D. João II doou a 28.6.1484
uma herdade no termo de Évora.
1.1.4.2.1. Garcia de Resende,
o célebre cronista, que n. em Évora cerca de 1470 e fal. a 3.2.1536,
sendo sepultado em campa armoriada (Resende) em capela que instituiu
em 1520 na cerca do convento do Espinheiro (Évora).
1.1.4.3. ?António
Boto, que a 6.9.1517 teve provisão do governador de Goa para receber
10 pardaus de seu soldo e moradia. Já tinha fal. a 25.12.1525, quando
Garcia de Resende, seu proposto sobrinho, recebeu o prazo de um moinho
que fora seu.
1.1.4.4. ?Martim
Boto, morador em Arzila a 27.3.1526 quando D. João III lhe deu provisão
de 3.000 réis de que lhe fazia mercê para o caminho. A 13.12.1530 o
feitor de Goa passou recibo dos 402 pardaus de ouro de empréstimo para
o rei que recebeu de Martim Boto. Talvez o Martim Boto que era
escudeiro do chanceler-mor doutor Rui Boto quando em 1498 foi nomeado
tabelião de Olivença, cargo a que já tinha renunciado a 16.4.1499, quando
nele foi nomeado Luiz de Aguiar, escudeiro de D. Beatriz da Silva.
1.1.4.5. ?Gonçalo
Esteves Boto, referido por Gaio, que o diz natural de Évora e comendador
de Carreço. Terá casado com uma (..) Nunes, a avaliar pela onomástica
das filhas que Gaio lhe dá.
1.1.4.5.1. ?Catarina
Boto, "de que vem a Casa de Borba" (Gaio).
1.1.4.5.2. ?Maria
Nunes Boto
1.1.4.5.3. ?Grácia
Nunes Boto, que c.c. Valentim da Rocha, que Gaio diz fundadores
da capela de S. Bartolomeu na matriz de Viana, e do morgadio de Vila
de Punhe.
1.1.4.5.4. ?Violante
Nunes Boto, c.c. João Velho Barreto (a) e c. Jorge
Barbosa de Sousa (b).
1.1.4.5.4.1. (a) Pedro Velho Barreto, cavaleiro fidalgo da Casa Real (25.8.1588),
c.c. Isabel Barbosa.
1.1.5. (b) Doutor Rui Boto, n. cerca de 1435 e fal. depois de 6.1.1515,
data em que ainda se documenta como chanceler-mor do reino. A 28.5.1465,
sendo escudeiro da Casa Régia, teve do rei uma tença anual de 4.000
reais de prata para os seus estudos. Doutorou-se em Direito Civil e
a 6.4.1473 D. Afonso V confirmou a nomeação de Rui Boto, feita a 1.3.1473
pelos reitores, lentes, conselheiros e escolares da Universidade de
Lisboa, para o cargo de reitor do estudo da hora de Tertia na Universidade
de Lisboa, em substituição de João Fernandes, bacharel, desembargador,
que renunciara. A 17 de Julho do mesmo ano o rei confirmou a nomeação
por eleição de Rui Boto para lente da cadeira de Leis da Universidade
de Lisboa, em substituição do bacharel Fernão de Figueiredo, último
regente da dita cadeira, que o monarca nomeara para o ofício do doutor
Gonçalo Garcia. A 13 de Agosto seguinte o rei confirmou a eleição de
Maracote, escolar em leis, feita pelos reitores, lentes e conselheiros
da Universidade de Lisboa, para o cargo de lente de Leis da hora da
Véspera da dita universidade, por renúncia do titular, o reitor Rui
Boto. Abandonou depois a Universidade e a 15.11.1476 D. Afonso V privilegiou
o doutor Rui Boto, letrado em Direito, recebendo-o novamente por desembargador
na Casa da Suplicação e Relação, com todo o mantimento, honras, liberdades,
privilégios e franquezas, como têm os outros desembargadores da dita
Casa. A 26.6.1480 o rei nomeou o doutor Rui Boto, desembargador na
Casa da Suplicação, para o cargo de ouvidor régio na dita Casa, em substituição
de Pedro Machado, seu sogro, que o monarca nomeou para desembargador.
A 6.7.1480 foi nomeado por D. João II desembargador do Paço e chanceler-mor
do reino, cargo que continuou a exercer com D. Manuel I, que o fez membro
do seu Conselho, tendo redigido o 1º e o 2º livros das Ordenações Manuelinas,
impressos em finais de 1514. No final da vida fez-se clérigo e em 1498
era clérigo conjurado da diocese de Évora, sendo-lhe a 11 de Julho desse
ano concedido indulto de altar portátil. Fica assim bem estabelecido
que Rui Boto casou com uma filha de Pedro Machado (casado com Branca
Coelho), que parece se chamou Mécia de Andrade. Este Pedro Machado [12] não devia ser muito mais velho do que o genro, tendo nascido
cerca de 1415. Sendo certo que a 22.12.1472 ainda não tinha 70 anos,
como expressamente se diz no privilégio de D. Afonso V a Pedro Machado,
ouvidor da Casa da Suplicação, recebendo-o por vassalo régio e concedendo-lhe
aposentação sem ter atingido a idade de 70 anos. Pedro Machado documenta-se
também bacharel em Leis e ouvidor e corregedor de Entre-Tejo-e-Guadiana
em 1462, 3, 4, 9 e 71, e com bens na Estremadura. A 8.5.1469 D. Afonso
V nomeou Pedro Machado, bacharel em Leis, para o cargo de ouvidor da
casa da Suplicação, em substituição de Pedro Miguéis, que morrera, com
todo o mantimento, honras e liberdades dos seus antecessores. Como ficou
dito, Pedro Machado foi feito desembargador em 1480, sendo certamente
o homónimo que D.João II confirmou a 22.8.1482 como desembargador da
Casa do Cível. C.g. nos Boto Machado.
1.1.6. ?(b) Estêvão Boto, n. cerca de 1436, que foi casar à serra da Estrela
(Folgosinho) com Maria de Souza, e foram pais (ou avós) de Rui
Martins Boto, tabelião de S. João da Pesqueira em 1514, tronco dos Donas-Boto.
1.2. ?João Boto,
morador em Évora, criado do rei.
1.2.1. ?Afonso
Anes Boto, tabelião da vila de Setúbal\, que a 2.7.1456 teve carta
de perdão real, acusado de ter feito uma quitação falsa contra Pero
Manhos, tendo pago 3.000 reais brancos para as obras da Relação régia,
ficando proibido de exercer o ofício de tabelião. É certamente o Afonso
Anes Boto, morador no Bombarral, monteiro e guardador das matas reais
da Albergaria, que por sua morte foi substituído no cargo em 1472. E
certamente pai do Afonso Anes Boto, também morador no Bombarral, que
a 20.4.1512 teve mercê para se aposentar deste cargo, tendo na mesma
dada mercê para lhe suceder um Braz
Boto, certamente seu filho.
1.3. ?Gonçalo
Esteves Boto, morador em Setúbal.
1.3.1. Luiz Gonçalves,
morador em Setúbal, que a 17.8.1456 teve carta de perdão real, vindo
acusado de vários malefícios, na sequência do perdão geral outorgado
pela ida contra o Turco, contanto que vá estar um ano na cidade de Ceuta.
1.3.2. Mem
Gonçalves,
morador em Setúbal, que teve carta de perdão em 1463.
1.3.3. Gomes
Gonçalves Boto,
morador em Setúbal, a quem D. Afonso V perdoa o resto do tempo de degredo
do ano a que fora condenado para a cidade de Ceuta, acusado de ter ferido
várias pessoas, na sequência do perdão geral outorgado aos homiziados
que serviram na armada e tomada da vila de Alcácer. É o Gomes Gonçalves
Boto, morador em Setúbal, que a 8.6.1464 foi nomeado escrivão da dízima
e sisa do pescado da dita vila, em substituição de Pedro Afonso, que
renunciara. A 28.6.1481 renunciou ao cargo de escrivão das ementas da
ribeira de Setúbal. A 10.9.1481 o príncipe D. João perdoou a justiça
régia pela fuga da prisão do concelho de Setúbal e dá carta de segurança
a Gomes Gonçalves Boto, morador nesta vila, pela fuga de um preso, tendo
pago 500 reais para a Piedade. Talvez pai do Gonçalo Boto referido numa
carta de 4.2.1516 do juiz e vereadores de Setúbal para o rei, a propósito
de uma carta que o dito Gonçalo Boto lhe escrevera referente à dízima
da sardinha de fumo de Setúbal.
Notas
1] "Pedatura Lusitana", Botos (bis).
2] Chancelaria de D. Duarte.
3] Gabriel Pereira, "Documentos Históricos da Cidade de Évora",
Lisboa, 1998
4] GEPB, Boto.
5] Gabriel Pereira, "Documentos Históricos da Cidade de Évora",
Lisboa, 1998.
6] Vide nota anterior.
7] "Donas-Boto
de S. João da Pesqueira. Origens e novos ramos", 2005, de Albano
Chaves.
8] Barran é um nome próprio irlandês, nome de um clã escocês, nome de uma
vila francesa e outra galega, etc. Olivete (Oliveira, Olival, em italiano)
parece relacionado com o famoso Monte Olivete (Israel), que é também
nome de uma rua/lugar em Lisboa. Monte Olivete é ainda o nome de uma
quinta em Almada, que pertencia ao rei D. Duarte, onde a 31.3.1439 nasceu
sua filha a infanta Dona Joana, a Beltraneja.
9] Vide "Tombos da Ordem de Cristo. Comendas a Sul do Tejo (1505-1509)",
Lisboa 2002, pag. 155, do Centro de Estudos Históricos da Universidade
Nova de Lisboa.
10] Devia então ser criança. Na mesma carta foram com ele legitimadas suas
irmãs Filipa, Inez e Briolanja Dias de Brito.
11] Cargo
de mordomo, tesoureiro, chaveiro, despenseiro e porteiro-mor das ordens
militares. Era normalmente a quarta mais importante dignidade das ordens.
12] Sabe-se também que Pedro Machado era cunhado de um Afonso Vasques, pois
a 13.5.1469 D. Afonso V privilegia por dois anos Afonso Vasques, cunhado
de Pedro Machado, ouvidor régio na Casa da Suplicação, concedendo-lhe
licença para andar em besta muar de sela e freio por todo o reino e
senhorio. As genealogias dizem que este Pedro Machado era filho de João
Esteves Carregueiro e sua mulher Leonor Alvares Machado, e pai do João
Machado que a 2.11.1513 teve carta de armas para Carregueiro, Machado,
Esteves e Coelho.