«Encontros
do 3º grau»
Pequeno conto publicado na rubrica «Gavetas do Tempo» do jornal «O Comércio
do Porto»
O OVNI só não me poisou mesmo na cabeça
porque era óptica a ilusão da sua proximidade. Mas o feixe luminoso que
inundou imediatamente o meu espírito quebrou, porém, num passe de mágica,
todas as barreiras da física.
Se tenho preconceitos, eles são tão-só de
ordem estética. Nos outros domínios prefiro os pós-conceitos... E a verdade
é que, de tudo, apenas me repugnou o tamanho disforme dos cérebros visíveis
que magnificamente ostentavam os tripulantes da nave do espaço. Podia
vê-los, sentir-lhes o latejar das enormes veias e artérias, o pulsar ritmado
dos seus pensamentos translúcidos.
Como que em transe, algo me levou a transpor
o limiar da esfera de entendimento desses seres macrocéfalos e atingir,
num baque, o cerne do seu pensamento. A força estonteante de uma percepção
sem limites abateu-se sobre mim, dolorosa mas magnífica.
Tudo se tornou, num ápice, tão naturalmente
inteligível, que os porquês se esvaziaram das suas interrogações mais
pertinentes e o erro ganhou contornos precisos, inconfundíveis e inalteráveis.
Sem querer, a minha boca abriu-se num sorriso
cada vez mais rasgado, que se foi transformando, a pouco e pouco, numa
imensa e infindável gargalhada, que me fazia escorrer, de gozo, as lágrimas
pela cara.
Ainda hoje, sem saber ao certo se tudo não
passou de um sonho, quando recordo esse mirífico encontro, através da
névoa difusa e lacunosa que quase por completo encobre os contornos e
a essência da memória que dele me ficou a corroer o quotidiano concreto
que aborreço e protesto, é exactamente aquela descomunal, insana e aparentemente
gratuita gargalhada que mais me deslumbra e... inquieta.